Sincronicidades 28 de abril de 2021

começo o caderno que era para ter começado na outra semana em que caí no buraco do chapeleiro da Alice. Os pés hoje vão animados talvez porque é a primeira vez que saem de casa. Está mais frio do que esperava. Sinto o corpo a compensar isso. A encolher um pouco por dentro. eu tento dizer that’s all right that’s all right.

vou-me harmonizando com a escrita em andamento. diz que a prática faz a perfeição.

abro o caderno no sítio (físico) em que volta a er possível escrever e andar. o passeio é a direito, uma parte do meu trajecto que não é muito percorrida a pé pelos demais. Sabe-se lá porquê. escrevo e o corpo aninha-se à escrita.

deixo adentrar-se o convite

hoje vejo muitas carrinhas de mudanças. Esta era de móveis entrando. Pessoas que vêm viver para cá? talvez rb’nb porque os móveis eram demasiado brancos e enrolados em celofane.

à minha frente entra o homem da casa curiosa. Num milissegundo vejo a casa por dentro. Tem luzes amarelas acesas apesar de fazer sol amarelo cá fora. E a mobília é carregada. A sala de entrada abre para uma sucessão de portas. Acho que o homem não queria que eu visse mas eu não resisti a rodar a cabeça na direcção da casa na a minha provável única oportunidade. Ele fecha a porta depressa atrás de si. Fico a imaginá-lo a subir para aquilo que deve ser o quarto. Uma janelinha de águas furtadas com uma eterna cortina cinzenta.

passo num jardim em que só há cães branco-e-preto. Penso na teoria do Darwin mas com outros matizes… não me parece ser aleatório que os cães sejam branco-e-preto… parece-me uma questão de gosto dos donos que se foi instituindo, misteriosamente… como se fizesse parte do gozo de levar o cão ao jardim que ele fosse branco-e-preto… e aos poucos esses são os únicos cães que se vê passear… parece-me ocorrer o mesmo com alguns tipos de pensamento, posturas corporais, maneiras de mastigar ou de pôr coisas em cima da mesa… não é que os cães branco-e-preto estejam mais adaptados a viver naquela realidade-jardim… é qualquer coisa em que eles tiveram co-responsabilidade, no sentido de nalgum lugar desejarem essa experiência, e isto ser cruzado com os donos quererem ter a experiência de passear cães brancos-e-pretos… outro jardim, outras pessoas, outras árvores, outros cães e o alinhamento será outra coisa, por exemplo trelas em couro ou sapatos cor-de-laranja…

às vezes acho que os motoristas dos autocarros me reconhecem. isto porque há autocarros que passam por mim interferindo na minha bolha energética, como que adentrando um milímetro a mais em direcção a mim, como se fosse um aceno de cabeça de um autocarrro. e são sempre autocarros que costumo apanhar.

Passo por um anúncio de pastilhas de vitamina C em que está um copo cheio de um líquido amarelo que parece chichi. Acho gira a despreocupação… talvez há alguns anos fosse importante na leitura da imagem não poder haver confusão entre um copo do precioso líquido de vitamina C com um copo de chichi, e agora isso não é mais importante… é um bocado como a conversa dos cães brancos-e-preto.

Margarida Agostinho – Lisboa – Portugal

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